Depois de várias contestações levadas a cabo pelos cidadãos do concelho e pela própria autarquia de Boticas contra a polémica Lei da Organização do Sistema Judiciário, que prevê a reorganização e o encerramento de vários tribunais, incluindo o Tribunal Judicial da Comarca de Boticas, um grupo de cidadãos botiquenses apresentou no final da semana passada uma Providência Cautelar de Eficácia de Acto de Regulação Provisória contra o Conselho de Ministros e o Ministério da Justiça, uma ação contra aquilo que consideram ser um verdadeiro atentado ao princípio de igualdade e ao princípio de proporcionalidade da população botiquense.
Este grupo de cidadãos, encabeçado pelo Presidente da Câmara Municipal de Boticas, Fernando Queiroga, integra também o Presidente da Assembleia Municipal, Fernando Campos, o vice-Presidente da Câmara Municipal, Guilherme Pires, a Vereadora Maria do Céu Fernandes, e os Presidentes das Juntas de Freguesia de Boticas e Granja, Sapiãos, Beça, Codessoso, Curros e Fiães do Tâmega, Alturas do Barroso e Cerdedo, Ardãos e Bobadela e de Vilar e Viveiro. Esta providência cautelar pretende contestar os intuitos da Lei da Organização do Sistema Judiciário (Lei nº69/2013), que prevê a extinção do Tribunal Judicial da Comarca de Boticas e a sua integração no novo Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, e do subsequente decreto-lei nº 49/2014, que procede precisamente à regulamentação dessa mesma deliberação.
Ainda no início deste ano, o Presidente da autarquia, Fernando Queiroga, tinha chamado à atenção para a ponderação errada de certos pressupostos usados como justificação para o encerramento deste Tribunal, nomeadamente no número de processos anuais que aqui dão entrada (que todos os anos têm sido superiores a 450, bem mais do que os 139 processos calculados pelo Ministério da Justiça). A isto acresce o visível desconhecimento das condições geográficas e de mobilidade da região, e uma completa desconsideração das condições socioeconómicas da população do concelho, que não terá como suportar o aumento exponencial de custos no acesso à justiça a que este encerramento obrigará. Isto porque a rede e os horários de transportes não atendem às reais necessidades da população, sobretudo da mais envelhecida, o que obrigará na maioria das vezes ao uso de táxi, uma despesa economicamente insuportável para grande parte da população no concelho.
Se atendermos ainda aos critérios estabelecidos para a extinção de alguns tribunais, vemos como este encerramento acaba até por ser injusto, uma vez que a maioria das localidades do concelho ficará a uma distância superior, no que concerne à oferta de serviços de justiça, aos 30km estipulados por este decreto-lei, que decreta também que sempre que isso aconteça, o tribunal pré-existente deve ser reconfigurado numa Secção de Proximidade. Ao contrário de outras localidades, em que o fator custo-distância foi tido em consideração, não foi previsto para Boticas a criação de outra instância que pudesse, de algum modo, atenuar os prejuízos deste encerramento. Para além do mais, o orçamento anual disponível para o funcionamento do Tribunal da Comarca de Boticas é bastante reduzido – em 2012 foi de apenas 10,500 euros, e os custos de manutenção são praticamente nulos, uma vez que estas instalações são propriedade do próprio Ministério da Justiça.
Posto isto, é claro entender a motivação desta providência cautelar, uma ação que pretende, acima de tudo, assegurar e lutar pelos direitos dos cidadãos e contribuintes do município, direitos que estão constitucionalmente protegidos – como o é o acesso incondicional a serviços de justiça, e que mesmo assim correm o risco de virem a ser violados, algo inadmissível num Estado de Direito.